sábado, 3 de março de 2012

CLASSIFICAÇÃO, PRINCÍPIOS CONDICIONAIS E GRUPOS SITUACIONAIS DAS LUTAS

       A Luta constitui-se como uma das mais antigas manifestações da cultura humana, podendo estar vinculada à preparação para a guerra; auto-defesa; exercício físico; jogo ou como ação ritualística (ESPARTERO, 1999). Os relatos das artes marciais orientais são tão antigos que remontam aos tempos lendários e pouco se sabe sobre a veracidade de alguns deles (CARR,1993). Já no ocidente, foram os gregos que oficializaram os combates entre indivíduos como uma espécie de diversão pública, tornando-se modalidades nos Jogos Olímpicos da Antiguidade. No entanto, Geringher (2001) assinala que os romanos barbarizaram essa prática com a realização das disputas entre gladiadores, onde esses tinham que lutar não só pela glória, mas sim pela vida.  

       Por abrangerem uma gama infinita de movimentos, técnicas e características, tenta-se classificar as Lutas em função de uma série de critérios. Esses critérios unem as Lutas pelo que têm em comum, assim como as separam por suas diferenças.

         Para Espartero (1999), as Lutas podem ser categorizadas em "Esportes de Luta com agarre", "Esportes de Luta com golpes" e "Esportes de Luta com implemento". Na primeira categoria, o agarre seria uma ação básica que representa os objetivos comuns entre as modalidades, tais como derrubada, as projeções e o controle no solo. A segunda categoria é subdividida de acordo com o tipo de golpe: apenas com os punhos, apenas com as pernas, ou as mãos e pernas conjuntamente. Já a terceira categoria tem como objetivo tocar o adversário com um implemento. 

          A classificação de Ramirez, Dopico e Iglesias (2000) assemelha-se à de Espartero (1999). Primeiro o grupo "Com Agarre", onde estão as modalidades nas quais existe o agarre. O segundo grupo "Sem Agarre", onde as ações motoras básicas desse grupo são golpear e impactar por meio de chutes e socos. Já o terceiro grupo tem o mesmo nome do segundo, diferenciando-se dele pela utilização de um implemento para tocar. 

            

            Já Nakamoto et. al. 2004, se baseia nos autores do JDC (Jogos Desportivos Coletivos): Bayer (1994),  Garganta (1995), Graça (1995), Tavares (1995). Eles definem quatro tipos de luta em função da relação dos lutadores com o "alvo" e com a "meta". O alvo é definido como o objetivo a ser atingido e/ou defendido  (indivíduos), enquanto a meta é o objetivo que se busca ao atingir o alvo. "Identificaram-se duas formas de relação com o alvo - tocando e segurando - e duas formas de relação com a meta - direta e indireta" (NAKAMOTO et. al. 2004). Quando a meta é direta, a finalidade da luta pode ser segurar ou tocar o "alvo" para pontuar ou terminar o combate. Se a meta é indireta, significa que as ações de tocar e segurar são um meio para finalizar o combate, seja através de uma projeção, de uma exclusão, ou de um knock out (quando o adversário é golpeado até cair no chão).

PRINCÍPIOS CONDICIONAIS

          O modelo dos Princípios Condicionais foi proposto por Bayer (1994) para os JDC. Tinha como objetivo buscar a existência de denominadores comuns para as Lutas. Esses denominadores comuns são: Contato Proposital; Fusão Ataque/Defesa; Imprevisibilidade; Oponente(s)/Alvo(s); Regras. 
            Independente da modalidade ou especificidade da luta, esses aspectos são condições indispensáveis para que uma atividade seja caracterizada como Luta, pois são capazes de delinear o conhecimento e diferenciá-lo dos demais.

          Contato Proposital: pode ocorrer de várias maneiras e deve acontecer para que haja a luta e para que ela se desenvolva. Esse princípio condicional exige que os oponentes se toque de alguma forma para conquistarem o objetivo da luta e obter êxito sobre os adversários. 
           Fusão Ataque/Defesa: o que difere as Lutas dos jogos Coletivos e de oposição, nesse aspecto, é a possibilidade de tais ações serem simultâneas e até certo ponto fundidas, na medida em que é raro observá-las isoladamente, tanto na interação entre os indivíduos ou nas ações de um dos lutadores.
          Imprevisibilidade: não existem estratégias sequenciais completamente previsíveis numa luta, pois as ações de um lutador podem ou não ser respostas às ações do adversário, já que as estratégias de ação, anteriores à realização da técnica, também podem ser simultâneas. Essa imprevisibilidade faz com que o PENSAR A LUTA seja tão importante quanto o REALIZAR A AÇÃO DA LUTA. 
          Oponente/Alvo: isso implica dizer que o alvo, além de ser móvel, também pode executar ações de ataque e defesa. É essa condição que justifica o contato como uma exigência e que fundamenta a imprevisibilidade de um combate. 
       Regras: presentes em qualquer manifestação de Luta. As lutas dependem das regras para sua legitimidade e elas devem ser respeitadas para que aconteça o combate. O que é permitido ou proibido tende a determinar as técnicas e táticas usadas pelos lutadores. É esse princípio condicional que define se, para atingir o alvo, devem-se usar as mãos ou pernas; se o contato deve ser direto; se haverá o uso de implemento etc. 

            Assim, a partir dos Princípios Condicionais, podemos criar e legitimar inúmeras práticas como parte do conhecimento Luta, o que torna este universo ainda mais amplo e possível de ser ensinado. 

GRUPOS SITUACIONAIS (DISTÂNCIA)

          A Distância pode ser entendida de duas formas. A primeira refere-se a uma única modalidade, na qual podem existir estratégias que variam de acordo com o espaço entre os oponentes (curto, médio ou longo). Desta maneira, usa-se a distância como um meio para diversificar o treinamento. A distância é um componente estratégico que está divida em três categorias - curta, média e longa -, que depende da imprevisibilidade da luta e do jogo do adversário. Na mesma modalidade, é possível pensar a distância de três maneiras, como se cada técnica exigisse um espaço distinto para ser executada. 
           
             A outra forma de se entender a distância é pensar num requisito para que aconteça um combate. O contato é um princípio condicional e vai depender da distância entre os adversários para ser definido. Uma modalidade de Curta Distância possui um espaço praticamente nulo entre os oponentes e é necessário que os praticantes se coloquem em contato direto (contato como um meio para o fim).
             
           Uma modalidade de Média Distância seria um espaço moderado que permite a aproximação em situações de ataque entre os oponentes. Os golpes caracterizam o contato e não dependem dele para acontecer como na curta distância (o contato é um fim e não o meio) Já na Longa Distância, definida pela presença de um implemento, dever haver uma distância maior entre os oponentes para que os mesmos possam manipular de forma adequada esse implemento, fazendo com que o contato entre eles seja através desse implemento (o contato também é um fim).

               

CLASSIFICAÇÃO FINAL - LUTA X FORMAS              


         Lutas: prática corporal imprevisível, caracterizada por determinado estado de contato, que possibilita a duas ou mais pessoas se enfrentarem numa constante troca de ações ofensivas e/ou defensivas, regidas por regras, com o objetivo mútuo sobre um alvo móvel personificado no oponente.

           Acredita-se que essa definição contempla os princípios condicionais das Lutas, bem como a dinâmica interna de qualquer manifestação do fenômeno. Entretanto, existe um ramo das Lutas, com nomenclaturas distintas, que seguramente é uma expressão do conhecimento Luta: as Formas (katas, katis).

                São elementos presentes nas manifestações de Lutas, porém, não entram nessas classificações e definições apresentadas pois acredita-se que não possuem os mesmos objetivos e lógicas inerentes às Lutas, já que podem ser ensaiados como uma coreografia. As Formas também se caracterizam como uma maneira de manifestação esportiva, através de competições de alto rendimento ou de ensaios esportivos no processo de ensino aprendizagem para aperfeiçoamento de lutas entre oponentes.

                 Nestes casos de Formas, onde não há a necessidade de interferência direta do oponente, são compreendidas como um estado de oposição simulada, pois não compartilham da imprevisibilidade presente nas outras manifestações de combate. Utilizam-se de técnicas tradicionais das modalidades, da sua maneira de execução, dos princípios de ataque e defesa, porém, não dependem exclusivamente de um adversário para serem desenvolvidas. Algumas modalidades não possuem Formas como um conteúdo tradicional, mas dispõem de movimentos específicos, treinados isoladamente, que serão empregados num combate. 

                 Formas: combinação de elementos e técnicas tradicionais que expressam a essência dos movimentos das Lutas, arranjados numa sequência pré-estabelecida, podendo ser executada na presença de adversários reais ou imaginários.


CONCLUSÃO

                    Os princípios condicionais regem as Lutas e as caracterizam. Buscar descobri-los, analisar e refletir sobre eles possibilitou criar uma definição para as Lutas e também para as Formas, uma de suas manifestações.

                      A análise das classificações de "esporte de luta" existentes, possibilitou classificar as Lutas em função da distância entre os oponentes, apontando ações comuns nos grupos situacionais, de acordo com as proximidades entre as situações tático/técnicas, determinadas pela lógica de cada modalidade de luta com suas especificidades regulamentares.
                
                   
Referência: GOMES, Mariana Simões Pimentel. Procedimentos Pedagógicos para o Ensino das Lutas: Contextos e Possibilidades. Ensino das Lutas: dos princípios condicionais aos grupos situacionais. Porto Alegre, abril/junho de 2010.

3 comentários: